Caminhada à literatura
A primeira referência literária em minha vida foram os Gibis da Turma da Mônica, embora nesta época eu não soubesse ler com excelência pois era uma criança atrasada no quesito de aprendizagem. Livros sempre me cativaram, seja por suas figuras, seja por suas histórias fantásticas que me tiravam da realidade crua, me dando a esperança que a fé era o suficiente para que tudo fosse resolvido. Isso, por si só, é um prato cheio para uma criança solitária com a imaginação fértil e uma ingenuidade fragilizada. O apreço por bibliotecas só aumentava a medida que crescia, encontrei meu lugar nas palavras de alguém que as conhecia melhor do que eu, contudo, se era tímida como pessoa, não mudou o caso como leitora. A palavra me interessava, mas tinha medo de não ser merecedora dessa palavra. Eu, que sou tão sem graça, como poderia atrever me chamar de leitora? Do que eu conheço para afirmar tal coisa? Era o meu pensamento, bastante inseguro para uma criança de nove anos, mas quando se é alvo de bullying você não consegue se ver como alguém digno.
Com um tempo, superei a timidez de me autodenominar leitora e, atrevida, busquei escrever toda a fantasia que se passava desde miúda: me autodenominei escritora. Aos onze anos, escrevia relativamente bem para tão pouca idade, porém, sem modéstia alguma de minha parte, não batia bem da cabeça — não bato bem da cabeça até hoje, mas, pelo menos, evito extrapolar o limite do bom senso. Um fato interessante de se mencionar é o meu primeiro livro “roubado” de uma biblioteca escolar — por mais antiético que seja, creio que ainda é um hábito comum —, que foi sem intenção alguma: Visita À Baleia (Paulo Venturelli). Lembro-me de tentar devolvê-lo a biblioteca, no entanto uma mulher, que suponho ser a bibliotecária na época, me impediu de entrar e nem sequer ouviu meus protestos. Motivo? Simples: os alunos iam a biblioteca para bagunçar os jogos de tabuleiros e, um caso específico que fiquei sabendo tempo depois, alunos, crianças, utilizavam o lugar para se beijarem. Fiquei deveras ofendida por ela ter cogitado que eu seria aquele tipo de gente, então o livro ficou na minha casa e até planejei entregá-lo quando a entrada foi permitida novamente, mas sempre esquecia o livro em casa. Passei para o Fundamental II, agora estou no Ensino Médio e o livro ainda permanece na minha estante.
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| Visita À Baleia (2012), Paulo Venturelli, ilustração por Nelson Cruz |
Na última semana de Dezembro de 2019, houve um encontro familiar que, antes de ir, minha prima me chamou no quarto para me apresentar alguns livros que ela refletiu serem bons para minha formação de caráter — ela não utilizou essas palavras, hoje entendo que as palavras daquela época significavam isso —, já que eu havia me interessado, um ano antes, pelo romance O Mundo de Sofia (Jostein Gaarder) e ela percebeu que seria bom alimentar esse hábito. Dom Quixote (Miguel de Cervantes), Alguns Poemas (Emily Dickinson) O Desaparecimento de Katharina Linden, (Helen Grant), Pegasus e o Fogo do Olimpo (Kate O'Hearn) e, por último, O Segredo (Rhonda Byrne). Eu estava apaixonada pelo presente e, quando o encontro terminou, imediatamente comecei a ler O Desaparecimento de Katharina Linden, finalizando a leitura em duas semanas, já no ano de 2020.
O ritmo de leitura era de uma semana para cada livro, pelo menos aqueles com a escrita que não me fosse complexa demais. Em Fevereiro, recebi de um amigo da minha mãe, o box de Jogos Vorazes (Suzanne Collins), já no segundo capítulo o livro me ganhou e criou-se a voraz necessidade de devorar a trilogia. No início de Março, terminei tudo, com o terceiro livro, A Esperança, demorando duas semanas pois o achei maçante. Vejo a importância dessa trilogia para minha visão politizada, tanto que muitos acontecimentos recentes no mundo noto similaridades com os tópicos da trama, até porque a Suzanne se baseou nas memórias do seu pai como veterano na Guerra do Vietnã e na Guerra da Coréia, sem contar que no tempo que escreveu o primeiro livro, ocorria a Guerra do Iraque.
Como já se sabe, o ano 2020 ocorreu a Pandemia da COVID-19 que obrigou todos a se manterem em Quarentena e o período que passei em casa reli os livros que tinha várias vezes, já que não poderia adquirir mais. Entre 2020 e 2021 reli o box de Jogos Vorazes mais de oito vezes — para se ter uma noção da paixão pela história. Fui em busca de assistir aos filmes, porém, até hoje, só assisti ao primeiro e fico procrastinando em terminar. Desde de 2019 eu estava determinada a escrever, em 2020 isso não mudou e, para o buraco ser mais embaixo, em Setembro conheci o submundo da internet: Wattpad. Inspirada pelas Creepypastas consumidas, pelo livro da Helen Grant e um caso de morte por afogamento de uma garota na minha cidade, desenvolvi o início de uma história de mistério que nunca cheguei a terminar. Aqui se inicia um problema que até hoje carrego: a desistência de continuar trabalhos. Sou boa em planejar, porém continuar escrevendo torna-se uma tarefa difícil quando estou insatisfeita com o desenrolar e infeliz, então descarto tudo, aflita por mais um projeto fracassado.
Passou-se a Pandemia, ainda presa no mundo das fanfics — não irei citar o que lia, é vergonhoso —, meu tempo era dedicado a ler essas obras de fãs em estado de puro júbilo. Conversava com alguns professores sobre minha vocação à escrita, também sobre o carinho pela literatura e recebi apoio que eternamente sou grata. Uma das professoras, a de História Local, Taciana, encantou-se por mim quando soube que eu era filha de uma querida ex-aluna e iniciamos conversas sobre os livros que gostávamos, eu os de mistério e suspense, ela os de romance. Certo dia, Taciana deu-me emprestado um exemplar de O Diário de Anne Frank, em seguida, uma edição belíssima, a da editora Martin Claret, do clássico Orgulho e Preconceito (Jane Austen) e o último fora um presente, Persuasão (Jane Austen), que me falou o seguinte ao entregar o pequeno livro: “Este aqui não será emprestado, será seu. Você é uma menina brilhante, com uma imaginação fértil, desejo que a leitura continue lhe estimulando para que você floresça.” Seja pelo carinho ou por sua narrativa esplêndida, o livro se tornou um dos meus favoritos e que sempre estará assimilado a queridissíma professora Taciana.
Asas (2012), Maya Hanoch, ilustração por Ofra Amit
No 9° ano, 2023, aprofundei-me em uma tristeza, que suspeito que pode ter sido o início de um quadro depressivo. Sentia-me deslocada do ciclo que vivia, minha vida pessoal até o topo com problemas e, para piorar, resolvi me afastar de todos. Nesse período, retornei um velho hábito de manter um diário e, se antes procrastinava na escrita, aquele caderno é o registro mais sincero e longo que tenho na curta carreira de escritora, o mais íntimo de todos. Ora desabafos, ora poemas, ora breves contos, lá eu me sentia confortável pois não haveria ninguém para desdenhar. Graças a Deus, consegui ser transferida para uma sala com pessoas que realmente se importavam e gostavam de mim pelo o que eu era, não pelo o que eu oferecia. Em pouco tempo, estar num ambiente que era querida foi um remédio excelente ao meu psicológico, contudo, obviamente até hoje tenho recaídas, porém nada comparado ao fundo do poço que me encontrei. Nesse ambiente, conheci a minha musa, a mulher que mudou a percepção não só da escrita, mas também da vida: Clarice Lispector!
Contextualizarei: comumente, era familiarizada com a persona da Clarice, reconhecia como um dos grandes nomes da literatura brasileira, mas nunca havia me aprofundado na obra. Embora, ela, sua imagem, fosse-me misteriosa, uma esfinge que o significado era incógnito. Por meio de um trabalho de literatura, necessitei ir atrás de sua biografia e bibliografia, antecipadamente ansiosa pelo forte nome, encantei-me por dissecá-la como pessoa. Um sentimento primitivo e, ao mesmo tempo, novo nasceu. Para meu rejubilo, a professora, Maria de Cazuza, que organizou o trabalho, presenteou-me com um exemplar de Perto do Coração Selvagem e, neste dia, fui só alegria! O nervosismo do trabalho fora deixado de lado, eu senti que fazia parte do livro, finalmente alguém soube expressar o que se passava no meu interior: era dotada de um coração selvagem! Não demorou muito para receber outro livro, dessa vez A Paixão Segundo G.H. e não preciso mencionar o tamanho de minha euforia.
O processo da Clarice se tornar a minha musa também se deve ao fato que seu estilo intimista e a forma como o cotidiano era explorado de modo profundo, me cativaram. Influenciou meu estilo de escrita, metamorfizassei-o por completo, ouso dizer que o refinei. Ironicamente, minha afeição por ela detém de uma ocorrência engraçada, por assim dizer. Quando estava olhando uma foto de Clarice, minha mãe passou, olhou e comentou: “Essa mulher se parece comigo.” Tudo passou a ter sentido: eu estranhava a figura de Clarice pois ela era similar a minha mãe, suas feições, seu biótipo e, principalmente, seu olhar. Existe, claramente, diferenças entre as duas, como a Clarice loira, minha mãe morena, Clarice com olhos verde, minha mãe com olhos castanhos, Clarice nasceu na Ucrânia e de uma família com a fé judaica e minha mãe nasceu no Brasil, numa família católica.
No ensino médio, diminuiu-se as leituras, principalmente das fanfics — estão estintas, por enquanto — e me esforço para continuar lendo e escrevendo, mas o cansaço do integral e o barulho da minha sala só retrocede meus objetivos literário, frustrando-me. Em vez de manter um diário, mantenho um caderninho de desabafos — praticamente um diário —, que ora contos, ora ideias, ora críticas, ora crônicas, eram escritas. Como já relatei meu problema de planejamento de escrita, muitas obras estão, no que costumo dizer, no fundo da gaveta empoeirada e, vez por outra, lembro-me da vocação, envergonhada por não estar sendo produtiva a minha arte. O erro é me comparar com grandes escritores, quando no agora sou apenas uma jovem de dezesseis anos, iniciei a vida agora, os autores também já tiveram minha idade e não se tornaram gênios da noite para o dia. Essa verdade me acalma: só tenho dezesseis anos. A vida é longa e minha vontade de escrever trespassa qualquer limite temporal e do agora agora agora. Se estou parada, estou pensando e se penso, necessito escrever.
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| Alice no País das Maravilhas (1865), Lewis Carrol, ilustração por John Tenniel |






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